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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS.

O reconhecimento do direito a um meio ambiente sadio configura- se na verdade, como extensão do direito à vida, quer sob o enfoque da própria existência física e saúde dos seres humanos, quer quanto ao aspecto da dignidade desta existência.2

Por tais razões, no Capitulo VI – do Título VIII- Da Ordem Social, no artigo 225 da Constituição Federal de 1988, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, foi tratado como um bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida, impondo ao Poder Público e à coletividade, o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

De fato, os parágrafos do mencionado artigo 225, instituem atos de policia para a defesa do meio ambiente, mediante a aplicação de sanções penais e administrativas, sendo que o § 3º assim dispõe:

“as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas e jurídicas, a sanções penais e administrativas independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

A Lei nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998- Lei de Crimes Ambientais, regulamentando o disposto no parágrafo § 3º do artigo 225 da

CF, acima reproduzido, estabeleceu requisitos, e previu sanções penais e administrativas em seus artigos 3º e 21, para a responsabilização do ente moral, derivada de conduta e atividade lesivas ao meio ambiente.

Nada obstante os legisladores constitucional e infraconstitucional, tenham consagrado expressamente a responsabilidade penal da pessoa jurídica pela pratica de delitos ambientais, entretanto, existem divergências na doutrina em relação à ação penal em face dos entes coletivos.

2. DAS POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS

A doutrina é discordante em relação à responsabilidade criminal de pessoas coletivas, derivadas de condutas e atividades que prejudiquem o meio ambiente, podendo ser citada três correntes acerca do assunto.

Encontramos uma corrente formada pelos penalistas clássicos, que defende a Ilegitimidade Passiva da Pessoa Jurídica, por acreditar que o ordenamento jurídico pátrio não está preparado para a implantação da sua responsabilização penal.

Defendem seus seguidores, que estes “entes morais” não têm vontade própria manifestando-se, somente, através de seus dirigentes o que impossibilitaria a sua responsabilização.

Sustentam, como Savigny, o antigo postulado de que “societas delinquere nom potest”, embasados pela Teoria da Ficção, que define a

2 Trindade, Antonio A. Cançado- Direitos Humanos e meio ambiente: Paralelos dos Sistemas de Proteção Internacional. Porto Alegre: Fabris, 1993, p, 76

pessoa jurídica como ente fictício formado pela vontade de seres humanos para desenvolverem um objeto comum.

Justificam a impossibilidade da penalização da pessoa jurídica pela dificuldade de investigar e individualizar a conduta, estabelecer a culpa e aplicar a pena.

Asseguram, que a sua aceitação implicaria na violação do princípio da isonomia; da harmonização das sanções; da personalização da pena; além da impossibilidade de fixar o tempo e lugar do crime.

Finalizam que a sua adoção constituiria expressa ofensa à teoria do crime, em especial na caracterização da culpabilidade; imputabilidade e tipicidade.

Rechaçando esses argumentos os professores Nicolao Dino de Castro e Costa Neto, Ney de Barros Bello Filho e Flávio Dino de Castro e Costa, assim identificam e comentam sobre o tema:

“O princípio da pessoalidade da pena está previsto no art. 5º , inciso XLV e quer dizer que nenhuma pena passará da pessoa do condenado, e que ninguém será responsabilizado criminalmente por ato de outrem.Ora, quando um preposto, administrador ou sócio de uma empresa praticam ato típico, e a responsabilidade por esse ato é sustentada pela empresa, não há ruptura do pressuposto constitucional causado pela comprovação de que o ato, em verdade, era ato da própria empresa, apenas praticado por intermédio de um seu representante.

O ato criminoso, na verdade, não é ato da pessoa física, mas sim ato da própria pessoa jurídica que se corporifica por meio de um dos seus dirigentes, empregados, sócios ou prepostos.
O ato não é da pessoa física e a responsabilidade sustentada pela pessoa jurídica, mas sim ato do ente moral sustentado por ele próprio…”.3

Aceitando, parcialmente, algumas das premissas suscitadas pelos penalistas clássicos se insurgem os juristas que após interpretação e integração da legislação vigente defendem que a responsabilidade da pessoa jurídica não é penal, no sentido estrito da palavra.

Afirmam que essa responsabilidade faz parte de um novo Direito que está sendo chamado de sancionador. Para eles, responsabilidade pessoal e responsabilidade penal da pessoa jurídica são realidades inconciliáveis.

Admitem a ação penal contra a pessoa jurídica consubstanciada na Teoria da Dupla Imputação para a penalização da pessoa jurídica e da pessoa física que a represente. A pessoa jurídica neste caso, não pode ser responsabilizada sozinha, na medida em que é a pessoa física que age com elemento subjetivo próprio, e concluem que o Judiciário vem, paulatinamente, acolhendo a ação penal contra pessoa jurídica, imprimindo, a elas, inovação nos conceitos de responsabilização e penalização.

A outra corrente que defende a responsabilização penal da pessoa jurídica, justifica que, a lei de crimes ambientais- Lei 9.605/98, regulamentando preceito constitucional, passou a prever, em seu artigo 3º

de forma inequívoca, a possibilidade de penalização criminal das pessoas jurídicas por danos ao meio ambiente.

Acordam ainda que a mesma ciência que atribui personalidade à pessoa jurídica deve ser capaz de atribuir-lhe responsabilidade. Assim, se tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos no meio social através da atuação de seus administradores, poderá a vir praticar condutas típicas, e, portanto, ser passível de responsabilização penal.

Pontuam que certamente, sua penalização não poderá ser entendida na forma tradicional baseada na culpa, na responsabilidade individual, subjetiva, propugnados pela Escola Clássica, mas deve ser entendida à luz de uma nova responsabilidade classificada como social.

Ensinam que a culpabilidade, no conceito moderno, é a responsabilidade social, e a culpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seu administrador ao agir em seu nome e proveito.

Nestes termos, a culpa, com conotação de responsabilização social, supera o conceito clássico e individualizado do direito penal, garantindo punições às pessoas jurídicas infratoras, dinamizando o direito, cujos conceitos jurídicos variam de acordo com um critério normativo e não naturalístico.

Defendem que a insucetibilidade de imposição de penas privativas de liberdade às pessoas jurídicas é um argumento pouco aceitável contrário à sua responsabilização penal. O ordenamento penal brasileiro prevê outras

3 Crimes e Infrações Administrativas Ambientais, Ed. Del Rey, 3ª ed. 2011

sanções penais para os entes morais, como penas autônomas de multas, de prestação de serviços à comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e desconsideração da pessoa jurídica, todas adaptadas à sua natureza jurídica.

Ressaltam também que não há ofensa ao principio constitucional de que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”, pois é incontroversa a existência de duas pessoas distintas: uma física – que de qualquer forma contribui para a prática do delito, e uma jurídica, cada qual recebendo punição de forma individualizada, decorrente de sua atividade lesiva e natureza jurídica.

Finalizam que, no aspecto legislativo, no direito brasileiro, tem-se a previsão da responsabilidade penal da pessoa jurídica, tanto no artigo 173 § 5º, quanto no artigo 225, § 3º da Carta Magna de 1988 que cuidam da proteção à ordem econômica e ao meio ambiente, estabelecendo repressão de delitos cometidos pelas pessoas jurídicas. Também com a expressa referência na Lei dos Crimes Ambientais (art. 3º, da Lei 9605/98), fica, por fim, superada a polêmica quanto à pertinência da responsabilização penal das pessoas jurídicas, devendo a doutrina, doravante, a se preocupar com a delimitação dos meios adequados para efetivá-la.

3. DO ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

O Superior Tribunal de Justiça já se defrontou várias vezes com o tema ora em debate, podendo ser citados os seguintes precedentes: Recurso

Especial nº 800.817- SC; Embargos de Declaração no Recurso Especial nº
865.86 –PR; Recurso Especial nº 610.114 – RN conforme ementas abaixo:

EMENTA-RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. LEGITIMIDADE PASSIVA. PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIZAÇÃO SIMULTÂNEA DO ENTE MORAL E DA PESSOA FÍSICA. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO.
1. Aceita-se a responsabilização penal da pessoa jurídica em crimes ambientais, sob a condição de que seja denunciada em co-autoria com pessoa física, que tenha agido com elemento subjetivo próprio. (Precedentes)

2. Recurso provido para receber a denúncia, nos termos da Súmula nº 709, do STF: “Salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela” RECURSO ESPECIAL Nº 800.817 – SC ; Rel. Min. Celso Limongi- Des. Convocado do TJSP, Julgamento: 04/02 2010- Órgão Julgador:Sexta Turma).

-EMENTA-EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIZAÇÃO DE PESSOA JURÍDICA. IMPUTAÇÃO SIMULTÂNEA DA PESSOA NATURAL. NECESSIDADE. PRECEDENTES. ARTIGOS 619 E 620 DO CPP. DECISÃO EMBARGADA QUE NÃO SE MOSTRA AMBÍGUA, OBSCURA, CONTRADITÓRIA OU OMISSA. EMBARGOS REJEITADOS.

1. A jurisprudência deste Sodalício é no sentido de ser possível a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa natural que atua em seu nome ou em seu benefício.
EDcl no Recurso Especial nº 865.864 – PR (2006⁄0230607-6) Rel.Min. Adilson Vieira Macabu (Des. Convocado do TJRJ
j. 20/10/ 2011- Órgão Julgador Quinta Turma

EMENTA-CRIMINAL. RESP. CRIME AMBIENTAL PRATICADO POR PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO ENTE COLETIVO. POSSIBILIDADE. PREVISÃO CONSTITUCIONAL REGULAMENTADA POR LEI FEDERAL. OPÇÃO POLÍTICA DO LEGISLADOR. FORMA DE PREVENÇÃO DE DANOS AO MEIO-AMBIENTE. CAPACIDADE DE AÇÃO. EXISTÊNCIA JURÍDICA. ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES EM NOME E PROVEITO DA PESSOA JURÍDICA. CULPABILIDADE COMO RESPONSABILIDADE SOCIAL. CO- RESPONSABILIDADE. PENAS ADAPTADAS À NATUREZA JURÍDICA DO ENTE COLETIVO. ACUSAÇÃO ISOLADA DO ENTE COLETIVO. IMPOSSIBILIDADE. ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES EM NOME E PROVEITO DA PESSOA JURÍDICA. DEMONSTRAÇÃO NECESSÁRIA. DENÚNCIA INEPTA. RECURSO DESPROVIDO.
I. A Lei ambiental, regulamentando preceito constitucional, passou a prever, de forma inequívoca, a possibilidade de penalização criminal das pessoas jurídicas por danos ao meio- ambiente.

III. A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais advém de uma escolha política, como forma

não apenas de punição das condutas lesivas ao meio-ambiente, mas como forma mesmo de prevenção geral e especial.

IV. A imputação penal às pessoas jurídicas encontra barreiras na suposta incapacidade de praticarem uma ação de relevância penal, de serem culpáveis e de sofrerem penalidades.

V. Se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos no meio social através da atuação de seus administradores, poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal.

VI. A culpabilidade, no conceito moderno, é a responsabilidade social, e a culpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seu administrador ao agir em seu nome e proveito.

VII. A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral.

VIII. “De qualquer modo, a pessoa jurídica deve ser beneficiária direta ou indiretamente pela conduta praticada por decisão do seu representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado.”.
IX. A Lei Ambiental previu para as pessoas jurídicas penas autônomas de multas, de prestação de serviços à comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e desconsideração da pessoa jurídica, todas adaptadas à sua natureza jurídica.

X. Não há ofensa ao princípio constitucional de que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado…”, pois é incontroversa a existência de duas pessoas distintas: uma física – que de qualquer forma contribui para a prática do delito – e uma

jurídica, cada qual recebendo a punição de forma individualizada, decorrente de sua atividade lesiva.

XI. Há legitimidade da pessoa jurídica para figurar no pólo passivo da relação processual-penal.

XII. Hipótese em que pessoa jurídica de direito privado foi denunciada isoladamente por crime ambiental porque, em decorrência de lançamento de elementos residuais nos mananciais dos Rios do Carmo e Mossoró, foram constatadas, em extensão aproximada de 5 quilômetros, a salinização de suas águas, bem como a degradação das respectivas faunas e floras aquáticas e silvestres.

XIII. A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral.

XIV. A atuação do colegiado em nome e proveito da pessoa jurídica é a própria vontade da empresa.

XV. A ausência de identificação das pessoas físicas que, atuando em nome e proveito da pessoa jurídica, participaram do evento delituoso, inviabiliza o recebimento da exordial acusatória.
XVI. Recurso desprovido. Recurso Especial nº 610.114 – RN (2003⁄0210087-0) Rel. Min. Gilson Dipp. j. 17/11/ 2005 Quinta turma.

Portanto, a interpretação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, é pela possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de crimes contra o meio ambiente, condicionada à punição simultânea da pessoa física que tenha agido com elemento subjetivo próprio e que também atue em nome da pessoa jurídica e em seu beneficio.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.

A par das posições doutrinárias esboçadas neste estudo , fato é que a jurisprudência brasileira é pacifica em relação à responsabilidade penal dos entes coletivos.

O que nos parece imperioso ressaltar é , que ao erigir o meio ambiente como Bem maior dando-lhe status constitucional, o constituinte pretendeu preservá-lo para as gerações futuras.

A supremacia geral é a pedra angular que deve nortear todo ato de policia. Existe um dever imposto pela Constituição Federal ao Poder Público, de atuar na defesa do meio ambiente através do exercício de atos de policia.

A legislação existe, cabe cumpri-la, responsabilizando-se aqueles que, por ação ou omissão praticarem atos nocivos ao meio ambiente, independentemente da natureza do infrator, não importando tratar-se de pessoa física ou jurídica.

Visto que insuficientes as sanções nas esferas cível e administrativa, o legislador constitucional muniu o Poder Público de Poderes que lhe permitem desempenhar o papel de policia ambiental, mediante adoção de medidas preventivas e repressivas também na esfera penal.

A intromissão do direito penal, no âmbito de proteção ambiental visa coibir a criminalidade não convencional praticada pelos grandes grupos empresariais que causam lesões disseminadas em massa, nem sempre identificáveis.

Afora isto, a efetiva responsabilização das pessoas jurídicas tem-se constituído na prática um meio eficaz e preventivo que inibe a ação reiterada dos delitos ambientais , impondo a penalização no bolso dos infratores, onde reside sua sensibilidade e maior eficácia na visibilidade da reprovação social que juntos impõe uma significativa redução aos atos atentatórios ao meio ambiente.